quarta-feira, 30 de julho de 2014

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE AIDS. MAIS DO MESMO E MENOS DO NECESSÁRIO.

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE AIDS
MAIS DO MESMO E MENOS DO NECESSÁRIO
Liandro Lindner
Jornalista

            Pela vigésima vez a Sociedade Internacional de Aids (IAS) promove a Conferência Internacional de Aids, desta vez na cidade de Melbourne, na costa sul australiana. Cerca de 14 mil pessoas entre pesquisadores, ativistas, cientistas, representantes de governo e de laboratórios, pessoas vivendo com Aids e co-infectados com tuberculose e hepatites virais, entre outros, formaram a massa diversa que coloria os corredores do local do evento. Na gama de atividades que a conferência oferece, tanto na parte oficial nos auditórios e salas de reuniões, como na parte destinada a atividades da sociedade civil, o chamado “Global Village”, temas diversos eram discutidos e enfocados a partir do ponto de vista de quem promovia a discussão. Falada exclusivamente em inglês, sem tradução e sem preocupação com o entendimento de centenas de pessoas não falantes deste idioma, a conferência pareceu selecionar bem pra quem quer falar e o que quer destacar.
     Sendo impossível reunir num só texto todo o mar de reflexões e informações lá repassadas, tento sintetizar aqui cinco tópicos que considerei mais relevantes, a partir de meu ponto de vista, correndo sempre o risco de deixar de lado algo importante.

1-     REMÉDIOS A VISTA
A conferência de Melbourne deixa claro que o caminho medicamentoso é o que mais se vislumbra num futuro próximo como enfrentamento à Aids. A tendência de se entender como prevenção atividades de uso contínuo de medicamentos cresce e se apresenta como alternativa viável para conter novos casos. Os que defendem este ponto de vista alertam que tal medida democratizaria o acesso a medicamentos que hoje estão restritos a quem consegue comprá-los e que seriam um elemento a mais no “cardápio das opções” de insumos de prevenção. Do outro lado os críticos destacam que os efeitos colaterais do uso destes medicamentos, em largo espaço de tempo, podem prejudicar mais o organismo além de transmitirem uma sensação falsa de “liberalidade” que o uso das pílulas pode passar.
A tal “falência” do preservativo parece ser um argumento pouco consistente pra justificar a medicamentalização da prevenção, o que sem dúvida seria um caminho mais fácil visto que mergulhar na realidade das populações mais atingidas (agora chamadas de populações-chave) entendendo seu funcionamento, seus limites e seus vácuos entre a informação e a prática, exige tempo, recursos e vontade política.

2-     A ÁFRICA É O CAMINHO
Ficou evidente que as ações e financiamentos visando o controle da Aids no âmbito mundial terão como foco o continente africano nos próximos anos, ou décadas. Beirando os 70% de casos do mundo, esta região chama a atenção e exige respostas mais urgentes, apesar dos vários anos de grandes investimentos desaguados por lá. Das 33,5 milhões de pessoas que vivem com Aids no mundo, mais de 20 milhões estão ali. Em todo o planeta apenas pouco mais de 10 milhões estão em tratamento, sendo o grande vácuo nos países africanos, na Ásia e na America Latina e Caribe (sendo este continente totalmente esquecido dos debates da conferência). O Brasil está parece estar fora do mapa de recepção de recursos internacionais e várias agências e organizações com representação no país fecham suas portas e migram para o outro lado do oceano.
Apesar das imensas dificuldades que se vive no Brasil a impressão que se tem no resto do mundo é de que aqui “o problema está resolvido ou no mínimo controlado”. A imagem de país em desenvolvimento ganha força e faz com que passemos da condição de receptores para a de doadores de tecnologias, experiências e até recursos para países em piores condições. Por outro lado o protagonismo em ações ousadas, visando à população em geral e especialmente públicos vulneráveis que foram marco da resposta nacional no passado, está hoje apenas na memória mundial, como uma referência de algo que aconteceu. A falta de estampas das campanhas no estande brasileiro foi uma ilustração disto.

3-     CIÊNCIAS SOCIAIS NÃO VIERAM
Outro ponto de destaque, no meu entender, foi a ausência de debates que fossem além da ciência básica, avançassem para os pontos de vista sociais e tentassem entender o andamento da epidemia em populações e regiões. As sessões plenárias- espaço mais nobre da conferência, ocorrem sempre no início dos dias, em grandes auditórios reunindo mais de duas mil pessoas e sendo transmitidas em telões, que dão o tom da discussão que se desdobra na programação diária. Na grande maioria delas o que se notou foram apresentação de dados, evolução de pesquisas, constatações parciais e algumas óbvias (“ao final concluímos que é preciso incrementar ações para ampliar a adesão ao tratamento”).
Por parte da sociedade civil se viu depoimentos muito ricos, emocionados, de superação e de força num trabalho difícil. A prostituta de Uganda emocionou ao contar de sua batalha pela vida e superação que a levaram a aprender inglês sem ajuda e a alcançar um título acadêmico sem largar o trabalho sexual. O ativista filipino pediu vacinas contra a intolerância, pílulas anti-ódio, condón que protegesse da violência. Todos muito aplaudidos.
Faltaram, porém, experiências mais contundentes do movimento comunitário em respostas criativas e de resultado efetivo, houve ausência de entendimentos além do visto em microscópios para demonstrar o efeito da Aids nos grupos e na comunidade, e ficou o vácuo de um link entre a sociedade e a ciência, como alternativa de mútuo entendimento e busca de respostas. Como disse um médico brasileiro num encontro de corredores, “as ciências sociais nesta conferência estão do outro lado da rua”, talvez numa mesa de bar ou num banco de praça observando os caminhos e desenhando entendimentos.


4-     REDUÇÃO DE DANOS “PERO NO MUCHO”

Talvez tenha sido a conferência em que o tema esteve mais presente, embora parcializado. A grande referência ao uso de drogas no cenário internacional ainda é o uso injetável. O uso de opiáceos (derivados do ópio, como heroína ou morfina) nos países da Ásia e Leste Europeu é muito grande gerando quadros dramáticos como o caso da Coréia do Norte com elevados registros de overdoses e mortes por ano.  Na Austrália o uso que mais cresce é de comprimidos de oxicodona, um opiáceo comercial traficado a partir de prescrições médicas a pacientes com dor crônica. Os recursos, no entanto, destinados a estas ações são muito enxutos e insuficientes para ampliar o acesso a usuários e minimizar os danos em relação a Aids, hepatites e outras doenças.
Realidades envolvendo a Aids e drogas mais próximas das vividas no Brasil não apareceram em Melbourne. Pouco se falou em maconha, quase nada em crack e o álcool – a principal droga causadora de danos ao organismo e custos ao sistema de saúde nacional - não recebeu qualquer referência nos cinco dias da conferência. O imaginário social de que Redução de Danos está somente ligada a drogas injetáveis passa as fronteiras do Brasil e atinge níveis internacionais. Falar de técnicas de minimização de prejuízos com outras drogas soou como novidade para grande parte dos delegados da conferência.

5-     CADA UM NO SEU QUADRADO

           Finalmente chamou a atenção o crescimento de outros temas relacionados à Aids que tiveram relevância, do meu ponto de vista, maior que em outros encontros deste vulto. Com o crescimento dos índices de infecção entre mulheres africanas e asiáticas, e a prática cultural local de se ter vários filhos, o debate sobre tratamento infantil ampliou seu espaço. Também cresceu a dimensão das discussões envolvendo a população trans, e o mote dos debates ia além de questões de saúde, abordando direitos humanos, protagonismo e participação nas decisões. Houve um generoso espaço para debates envolvendo Aids e Tuberculose, doença que mais mata pessoas soropositivas no mundo e afeta uma em cada cinco pessoas que vivem com Aids no planeta. Num conjunto de estandes foram realizadas discussões interessantes que iam à busca de soluções para detecção, tratamento e adesão e aprofundavam a necessidade do andamento conjunto de questões sociais e sanitárias para busca de soluções.


            

Embora a sensação de que houve poucas novidades fosse comum na maioria dos participantes, o que se viu foi um retrato fiel - mesmo que pouco agradável - do andamento das respostas globais. Os organismos de representação e diplomacia dos países já tem sinalizado há muito com resistências em alguns setores, principalmente em relação a direitos humanos e ao respeito à diversidade, o que passa a dar um olhar diferente a resposta mundial em relação à Aids. Parece-me que a força de trabalho e de consumo dos países super populosos ganha um destaque maior do que a luta por vidas humanas livres para escolhas. Os países dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) representam importante peso na epidemia da Aids no mundo e o tema pouco é falado em suas reuniões. Quem sabe novamente o Brasil recria sua forma nacional de enfrentamento livre de amarras ianques e dá ao mundo uma nova lição de respostas tropicais e efetivas. Mas, para isto, a vontade política é necessária, e se desamarrar das pressões fundamentalistas é um desafio difícil.








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