sábado, 16 de janeiro de 2016

CARTA AO PLANALTO SOBRE A TRAJETÓRIA PÚBLICA E PROFISSIONAL DE VALENCIUS WURCH E A REFORMA PSIQUIÁTRICA

CARTA AO PLANALTO SOBRE A TRAJETÓRIA PÚBLICA E PROFISSIONAL DE VALENCIUS WURCH E A REFORMA PSIQUIÁTRICA



Conforme firmado em Reunião na Secretaria Geral da Presidência da República com as Entidades Nacionais do campo da Saúde e da Saúde Mental no dia 14 de janeiro de 2016, encaminhamos a seguir os fatos que fundamentam a atual posição das organizações aqui abaixo-assinadas pela exoneração do ora Coordenador Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, sr. Valencius Wurch Duarte Filho. Chamamos a atenção de que este constitui apenas um primeiro documento sobre o perfil do coordenador, considerando o tempo decorrido entre a audiência com a referida Secretaria e a entrega da documentação solicitada. Em breve, as organizações aqui nominadas se comprometem ao envio de novo documento mais substancial, debruçado sobre os elementos que atestam que o perfil público de Dr. Valencius não se coaduna com as responsabilidades associadas ao cargo para o qual foi nomeado.

Observamos que a atual Política Nacional de Saúde Mental figura dentre as inequívocas Políticas de Estado do país, consolidada com referência aos dispositivos da Lei Federal 10.216/2001 e a todo o arcabouço normativo e infra-legal regulamentado na cadeia de portarias do Ministério da Saúde, a exemplo das Portarias Ministeriais 3.088/2011 e 2.840/2014, com respaldo especial nas deliberações das Conferências Nacionais de Saúde e de Saúde Mental, por meio das quais a Reforma Psiquiátrica e o projeto ético-político de desinstitucionalização se firmaram com a demarcação da participação social na formulação da política com respeito à manifestação da vontade popular.

É sob essa perspectiva que resgatamos o sentido da deliberação 219 da III Conferência Intersetorial de Saúde Mental, realizada em 2011, pela qual as organizações da sociedade civil sobre a temática manifestaram por

“Garantir que a escolha do coordenador de saúde mental efetuada pelo gestor observe os seguintes requisitos: a) que não tenha vínculos com prestadores e/ou empresários de saúde da iniciativa privada; b) que esteja identificado com a política nacional de saúde mental; c) que sua atuação seja democrática, articulando a participação de gestores, trabalhadores, usuários e familiares na efetivação e consolidação da política de saúde mental do município.” (BRASIL, 2011, p.?, grifo nosso)

A recomendação destacada acima sobre a necessidade da identificação do Coordenador designado à implementação nacional das ações em saúde mental nos trazem à inevitável interpelação da indicação de Valencius Wurch Duarte Filho por sua trajetória pregressa no campo da Saúde Mental no Brasil.

Ao contrário de todos os Coordenadores já indicados à pasta, Valencius Wurch, não obstante os seus 33 anos de trajetória profissional na Medicina Psiquiátrica e na saúde pública, nunca teve experiência de trabalho em instituições extrahospitalares do SUS, com notável destaque à ausência em seu currículo de experiências de trabalho em equipamentos da rede substitutiva que hoje figuram como os pilares da Rede de Atenção Psicossocial, em contraste com sua proeminente atuação em Clínicas e Hospitais Psiquiátricos privados, dentre os quais se destacam sua experiência de trabalho e gestão no Hospital Psiquiátrico de Paracambi (RJ) e na Casa de Saúde Dr. Eiras do mesmo município – Casa de Saúde Dr.Eiras que carrega consigo a marca histórica[1] de ter sido o maior hospital psiquiátrico da América Latina, fechado em 2012, por intervenção federal, depois de graves e constantes denúncias de violações de direitos humanos cometidas contra internos, desde o início da década de 1990.

Há algo importante a ser destacado acerca da experiência de gestão da Casa de Saúde Dr.Eiras, da qual Valencius foi diretor entre o ano de 1993 e 1998, ainda quese considere os supostos esforços investidos no controle das condições insanáveis de violação e tortura observados ao longo de toda a história da instituição. Não é possível considerar esses investimentos dentro da chave dos requisitos que poderiam alinhar Valencius aos princípios da Reforma Psiquiátrica. Porque que esta não se trata, definitivamente, de estratégias fragmentadas e superficiais de “humanização” dos manicômios como as que se tentaram na Casa de Saúde. Consistem, sobretudo, do empenho em estratégias amplas e permanentes de reconstrução de espaços de convivência fora das instituições de asilamento. Paradoxalmente, é durante a gestão de Valencius na Casa de Saúde Dr. Eiras que seu discurso de humanização dos manicômios convive com suas criticas públicas na mídia nacional[2] ao projeto de lei Paulo Delgado. Além disso, defende o aumento de leitos de 1510 para 1800 no ano de 1997[3]. Seu desejo de ampliação do já macrohospital nem de longe o alinha ao projeto de Reforma Psiquiátrica.

Desse modo, a experiência de atuação de Dr. Valencius em sua carreira demonstra o seu resguardo na atuação profissional dentro do que resta dos equipamentos de internação e longa permanência na Psiquiatria brasileira. É possível notar, no mínimo, sua inexperiência no campo de debates mais amplos da Reforma Psiquiátrica, seja no âmbito dos requisitos à atuação clínica nos dispositivos da RAPS, seja no campo de planejamento e gestão das estratégias de desinstitucionalização. Suas experiências de atuação em sua imensa maioria nos remetem antes à clínica tradicional manicomial do que às iniciativas alinhadas à atual plataforma de gestão da Política Nacional de Sáude Mental, que é referência internacional de atenção às pessoas portadoras de transtorno mental, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Por fim, no curso de nosso trabalho de pesquisa à trajetória de Valencius, chamamos a atenção para a falta de transparência pública em sua trajetória acadêmica e profissional: exceto pelos registros de sua direção e atuação em instituições asilares e por suas manifestações públicas de agravo às iniciativas de desinstitucionalização, não há disponível e de fácil acesso um perfil público ou nada a seu respeito[4] a se notar sobre sua carreira e sobre seu preparo ao longo de seus anos no campo da saúde para assumir a Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Se, para nós, resta a certeza de sua inaptidão para o cargo, há que se considerar flagrante mesmo àqueles que sustentam a sua permanência, a necessidade de confirmar e conhecer melhor sua credenciais técnicas e habilidades para uma gestão à qual tenha sido designado.

Na sincera expectativa de um retorno da Secretaria Geral da Presidência da República a esta comunicação e aos encaminhamentos firmados a este e a outros órgãos governamentais (audiência na Casa Civil) durante a reunião do dia 14 de janeiro de 2016, despedimo-nos, ficando à disposição para eventuais dúvidas e maiores informações.





[1] Ver vídeo-depoimento de antigos pacientes da Casa de Saúde Dr. Eiras, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Klc1HOd7yns, acessado dia 15/01/16.

[2] Ver matéria 1 em anexo.

[3] Ver matéria 2 em anexo.

[4] Ver em anexo Currículo Lattes de Valencius Wurch Duarte Filho, extraído no dia 15/01/16

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